Instituto Victor Nunes Leal

Homenagem do Dr. Carlos Olavo Pacheco de Medeiros

Publicação

Lembrança de Victor Nunes Leal

CARLOS OLAVO PACHECO DE MEDEIROS

Na evocação de Victor Nunes Leal, seus discípulos e companheiros de escritório, somos todos prisioneiros da saudade. E imitando Proust, deixamos a alma viajar por entre as repentinas luzes da lembrança, para reencontrarmos, de súbito, no espelho mágico desta saudade, aquele que foi a fonte mais rica de nossa formação profissional.

Deixou-nos exemplos inesquecíveis de bondade, de inteligência, de cultura, de inteireza moral. Os seus deveres de advogado – que voltou a ser, depois de arrebatado do Supremo Tribunal Federal pelas mãos do arbítrio – foram crisol de revelação de seus atributos de dignidade humana e de virtudes cristãs. Os seus grandes êxitos nos prélios judiciários provinham da meticulosidade com que media a boa razão dos seus eventuais clientes. Confirmou invariavelmente aquela observação de Balzac, conferindo ao advogado o papel de primeiro juiz da causa.

Avaliava a pretensão de quem o procurava sob o crivo da escrita moralidade, não hesitando em recusar a defesa de pleitos que não se ajustassem aos padrões éticos que adotara para sua conduta pessoal. Aceito o patrocínio, ele se desdobrava em cuidados. Surpreendíamo-nos da freqüência com que ele discorria sobre os casos postos em juízo, sugerindo hipóteses adversas, imaginando oposições que poderiam vir dos adversários, as controvérsias jurídicas que poderiam surgir. Apaixonado pensador do direito! Esta preocupação onipresente ratificava outra observação do escritor francês, sobre se converterem os grandes advogados, os mestre da profissão, em amantes de suas causas.

Elaborava as petições com esmero, escrevia e reescrevia, cuidando para que não ocorresse nenhuma falha, uma só palavra menos adequada, que servisse de arma aos contendores, aprimorando, limando a frase, para que saísse da oficina sem um defeito, como queria um poeta, de seus versos.

Não há dúvida de que pertencia àquela raça de juristas que têm honrado a cultura jurídica do Brasil; daqueles que, segundo o ministro João Luiz Alves, citando Nabuco, Teixeira de Freitas, Lafaiete e tantos outros, “fazem do cultivo do direito um verdadeiro sacerdócio, amam o direito pelo direito; encontram na solução dos problemas jurídicos, postos ao seu espírito, as emoções vivas que encontra estatuário, revendo a obra-prima de sua estátua; as mesmas emoções que encontra o compositor, conseguindo pôr no papel as notas musicais das harmonias que lhe passam no espírito”.

Deixou-nos ainda na plenitude de sua inteligência e do vigor físico. Mas é confortante para os seus, que a sua imagem tenha permanecido como ele era e como o relembramos agora, caminhando com passo firme e a voz bem soante, seguro e sábio, continuando o mentor de seus colegas, amigos e discípulos, ouvido e obedecido, porque não errava nas suas decisões.

E por ser certo que os mortos governam os vivos, ao menos pela força moral da herança dos grandes exemplos, não seria por mera coincidência que na data de hoje, no 10º aniversário de sua partida definitiva, um dos seus maiores amigos e notáveis colegas, discípulo dileto, José Paulo Sepúlveda Pertence, prepara-se para assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, instituição a que Victor Nunes tanto amou, com a pureza dos seus nobres sentimentos. À sua vida ajustam-se as palavras proféticas do salmista: “O justo florescerá como a palma e o cedro do Líbano, e a sua memória será eterna”.